segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Lira de Fogo
Em 19 de maio de 1870 foi fundada em Campos dos Goytacazes a consagrada Filarmônica, intitulada LIRA DE APOLO. Esse grupo, apaixonado pela divina arte, devotos de Nossa Senhora Aparecida, tornou-se, tempos mais tarde, a popular e querida “Sociedade Musical Lira de Apolo”.
Numa tarde de sábado começamos uma prosa recheada de inquietantes informações com o maestro Ricardo Azevedo. Com seus quantiosos 69 anos, o atual regente da Lira de Apolo contou-nos de sua iniciante entrada no mundo da música, do qual o seu pai já fazia parte. Ricardo começou a trabalhar na Lira de Apolo aos 16 anos, em 19 de maio de 1955 escondido do pai, que era componente da banda adversária, a conhecida Lira Guarani.
O maestro Ricardo começou apenas como aluno, depois passou a ser o arquivista da banda. Na época o maestro Etieni Samari, vendo então o seu interesse, convidou-o a participar como integrante e foi quando Ricardo pôde contemplar muitos dos momentos em que a banda esteve no auge.
Com vários títulos, a banda é hoje a segunda mais antiga do País e a mais antiga de Campos, ainda em atividade. Sempre solicitada a abrilhantar festas, também fez parte da história do Brasil, recebendo com seus instrumentos de sopro, ilustres celebridades em importantes datas. Como em 1875 quando D. Pedro II e a Família Imperial visitaram a cidade para a inauguração da Estação de Campos na estrada de ferro de Carangola. Dentre outros marcos, a Lira tocou também na campanha presidencial de Getúlio Vargas, em 1950, na Inauguração do prédio dos correios, para o presidente Juscelino Kubitschek no Rio e na chegada do presidente João Goulart.
Ricardo disse, ainda, que a banda teve três sedes emprestadas antes de construir o próprio prédio e uma delas era na antiga Rua da Constituição, número 37, atual Avenida Alberto Torres.
Fachada da Lira de Apolo
Anos mais tarde a banda comprou um terreno com a ajuda de alguns integrantes e construiu sua sede, em 1912. As mãos que encantavam com harmônicas trilhas sonoras, não se opuseram, dia após dia no calor escaldante, a levantar o alicerce de sua casa.
A expressão de sua face ficara muda, ao relembrar do ano de 1990, quando a sede da sociedade Lira de Apolo foi consumida por um avassalador incêndio, que supostamente teria sido causado por um curto circuito, quando a direção da banda havia emprestado o prédio para uma festa que deixou em cinzas todo o lugar. Ficando seus músicos e aprendizes a mercê do destino. Por sorte não havia ninguém no local. E, posteriormente, o próprio maestro, mais uma vez, mostrou seu carinho pela história e luta quando, com a ajuda de apenas alguns garis conhecidos do mesmo, limpou o prédio das cinzas e escombros causados pela tragédia, para que todos pudessem voltar a entrar no local.
A Prefeitura de Campos, então, emprestou o prédio situado na praça São Salvador, onde hoje é localizado o museu , para que a banda pudesse continuar os seus ensaios. Infelizmente hoje este espaço não está mais disponível e o grupo limita-se a reunir somente aos sábados pela manhã no Teatro de Bolso. Várias promessas foram feitas em relação à reforma do prédio da Lira, mas nenhuma foi de fato cumprida e a esperança continua.
A reforma da sede ficou avaliada em torno de R$ 1,2 milhão, porém a prefeitura não demonstrou nenhum interesse em reerguer o prédio e manter o projeto. Existe uma lei criada no antigo governo de José Sarney, lei Rouanet, que dá às empresas a oportunidade de redução de impostos, se as mesmas colaborarem/bancarem a manutenção de obras culturais, e é com uma infinita esperança que Ricardo e todo o grupo aguardam por uma resposta do IPHAN, uma empresa não governamental, que capta recursos com as empresas privadas para a execução das obras culturais. Toda a documentação necessária para que seja feita a reforma já está no IPHAN, que fará uma avaliação final da solicitação e permitirá a execução da obra com a autorização do NEPAC.
É lamentável que os governos não invistam mais na nossa cultura e que deixem desaparecer com o tempo grupos que relutaram por anos para não cair na zona do esquecimento, bandas centenárias como a Lira de Apolo que são um estandarte na luta da preservação da cultura e resgate da nossa história.
Que a chama que um dia destruiu sonhos de pessoas que fizeram dos obstáculos combustível para ir em frente, alimente a sociedade moderna de paixão a música, história e cultura, que hoje está desaparecendo aos poucos...
Lira de Apolo em chamas - 1990